segunda-feira, outubro 05, 2009

Produto Inteno Bruto X Felicidade Interna Bruta

Felicidade, consumo e a construção de uma sociedade sustentável
Helio Mattar, Diretor Presidente, Instituto Akatu pelo Consumo Consciente


Consumo traz felicidade? Até certo ponto, sim. Até que sejam atendidas as necessidades básicas de uma pessoa, como moradia com algum conforto e alimentação adequada, o consumo de fato reflete a sua satisfação pessoal.

A partir desse patamar mínimo, algumas pesquisas feitas nos Estados Unidos mostram que o crescimento da renda per capita não traz o aumento da “percepção subjetiva de bem-estar”, uma forma de se referir à felicidade. Outras pesquisas revelam que, para os americanos, o auge da sensação de “felicidade” aconteceu nos anos 50. Comparado ao estilo de vida contemporâneo, o modo de viver daquela época era de uma simplicidade quase espartana. Era o tempo em que as famílias de classe média começavam a ter acesso a bens como geladeira, TV e automóvel — e nem em sonho se pensava em notebooks, iPods, internet ou celulares. Ao mesmo tempo, as pessoas tinham um estilo de vida onde havia muito maior integração às próprias famílias e à comunidade.

O modelo econômico tem sido baseado no aumento constante da produção de bens e serviços e na obsolescência programada de produtos, muitas vezes sem uma preocupação mais detida com o real bem estar das pessoas. Mais que isso, trata-se de um modelo que ignora os limites ambientais e a justiça social, o que resultou em um mundo em que praticamente se vive para consumir, em vez de consumir para viver. O consumo acima do necessário sustenta a economia e orienta grande parte da vida das pessoas, ao menos das que têm acesso a esses bens. Nesse processo, o consumo tornou-se um fim em si mesmo, deixando de ser o que realmente é: um instrumento de bem-estar.

Nesse modelo de sociedade, a própria noção de progresso se baseia na riqueza acumulada, perdendo de vista o ser humano e o que lhe dá sentido à vida.

É verdade que os objetos de consumo são parte do nosso processo de construção de identidade. Mas, até que ponto a posse de bens em quantidades crescentes nos torna pessoas mais felizes?

Essa é uma questão central na discussão da sustentabilidade da vida no planeta. A insustentabilidade parecia se concentrar nas áreas social e ambiental, mas revelou, de forma aparentemente inesperada, o seu lado econômico. O excesso de consumo e a enorme ganância financeira levaram o mundo a uma crise econômica de enormes proporções, estampada nas páginas de todos os jornais desde setembro de 2008.

Entretanto, uma outra crise, silenciosa e contínua, vem corroendo as bases do nosso futuro desde meados da década de 80. De acordo com o Relatório Planeta Vivo, da WWF, a manutenção do estilo de vida da parcela da humanidade que detém grande parte do poder econômico, levou ao consumo de mais recursos naturais do que a Terra é capaz de repor. Atualmente, já superamos essa capacidade natural em 30% — e isso ocorre apesar de apenas um terço da população mundial ter acesso a esse nível de consumo, enquanto que os outros dois terços ou consomem dentro do mínimo necessário para a vida ou mal dispõem desse mínimo para sobreviver.

Diante desses limites e dilemas, é absolutamente necessária uma mudança expressiva não apenas no modelo de consumo, mas no estilo de vida da parte mais rica da humanidade. Até mesmo porque, de outra forma, não se terá capacidade natural e social de sustentar uma vida digna para a parcela da humanidade que hoje tem pouco ou nenhum acesso ao consumo.

Como exemplo dessa mudança, depois de deflagrada a crise econômico-financeira recente, que ceifou riquezas e empregos, surgiu nos Estados Unidos um movimento denominado de “nova frugalidade”. Em vez de lotar shopping centers e gastar até o último centavo em seus cartões de crédito, os americanos passaram a comprar menos e poupar mais. No entanto, esta é uma novidade de certa forma “requentada”. Em 1973, durante a crise do petróleo, a revista Time já mencionava uma “nova frugalidade” como necessária para aqueles tempos de escassez de energia.

No entanto, construir uma sociedade sustentável no futuro exige consumir com consciência, o que significa mais do que adequar-se apenas em tempos de crise. Todo consumo causa impacto (positivo ou negativo) na economia, nas relações sociais, na natureza e em cada indivíduo. Ao ter consciência desses impactos na hora de decidir por que comprar e de escolher o que comprar, de quem comprar, como comprar e de definir a maneira de usar e como descartar o que não serve mais, o consumidor pode buscar aumentar os impactos positivos e diminuir os negativos de seu consumo, desta forma contribuindo para a construção de uma sociedade que promova um maior sentido de vida para as pessoas e o respeito aos recursos naturais e sociais,

O Akatu acredita que o consumo consciente pode ser um importante instrumento de construção de uma sociedade sustentável, na qual a busca da felicidade seja o centro da vida. Para definir os caminhos que nos levarão a essa sociedade e garantir que o percurso se dê nessa direção, é preciso mensurar o progresso do ser humano para além de simplesmente contabilizar os produtos e serviços produzidos. Não por acaso, uma das propostas é a de criar uma mensuração que vá além do PIB – Produto Interno Bruto, que mede o total de produtos e serviços produzidos em um país durante um ano. A proposta é medir o desenvolvimento de um país por meio da FIB – Felicidade Interna Bruta, um indicador surgido há mais de trinta anos no Butão, país asiático situado aos pés da Cordilheira do Himalaia. A FIB engloba, além do crescimento econômico, as dimensões ambientais, sociais, culturais e espirituais do desenvolvimento. Entre as variáveis consideradas para elaboração da FIB estão, por exemplo, a boa saúde, a vitalidade comunitária, a proteção ambiental, o acesso à cultura e o bem-estar psicológico, de forma a refletir os pontos realmente relevantes da evolução da sociedade.

O consumo consciente é certamente uma das características de uma sociedade sustentável, na qual a felicidade é traduzida não mais pelo acúmulo de bens, mas como pela realização do potencial intelectual e emocional de cada um. Nesse mundo, haverá tempo e espaço para que as pessoas possam se desenvolver na direção de uma vida plena de sentido e conformem uma sociedade que acolha a todos, que possibilite o progresso material e espiritual necessário à vida e que cuide do planeta onde vivemos. Coisas que, definitivamente, apenas o dinheiro não compra.